A Páscoa é, sem dúvida, uma das celebrações mais emblemáticas do cristianismo. Mas, se você perguntar por aí, vai perceber algo curioso: para muitos, ela evoca imagens de coelhos fofinhos, caçadas de ovos coloridos e sobremesas que mal cabem na mesa. Entre os que buscam um sentido mais espiritual, há quase um consenso: “a Páscoa é sobre a ressurreição de Jesus.”
Isso é verdade, mas será que entendemos realmente a profundidade dessa declaração? Seja você alguém que cresceu cercado por tradições cristãs ou apenas curioso sobre o tema, essa pergunta merece atenção. A ressurreição de Cristo não é simplesmente mais uma história nas Escrituras; ela sustenta e dá sentido a toda a base da fé cristã. Sem ela, tudo desmorona.
Não é exagero dizer que o cristianismo começa na manhã do túmulo vazio, quando as mulheres se depararam com algo completamente inesperado: um Deus vitorioso até mesmo sobre a morte.
Mas calma. Antes de nos aprofundarmos no significado teológico da Páscoa, precisamos entender que ela não surgiu do nada. Assim como muitos eventos no Novo Testamento têm raízes no Antigo Testamento, a celebração cristã da Páscoa ecoa as sombras e padrões estabelecidos na antiga festividade judaica chamada Pessach (ou “Páscoa” em hebraico). Vamos voltar um pouco no tempo.
Ressurreição: O Coração da Fé Cristã
Imagine se o cristianismo fosse reduzido a uma lista de boas ideias sobre ética e espiritualidade. Seria interessante? Talvez… mas certamente não transformador. O cristianismo se distingue por um ponto central em sua mensagem: a ressurreição de Jesus Cristo.
É impossível passar pela Páscoa sem encarar de frente essa afirmação extraordinária. Não se trata apenas de um símbolo bonito ou metafórico; trata-se de uma declaração histórica e sobrenatural. Para os primeiros cristãos, isso era tão certo quanto o nascer do sol. Foi tão impactante que homens e mulheres comuns arriscaram suas vidas para testemunhar sobre isso.
O apóstolo Paulo foi direto ao ponto quando escreveu aos coríntios: “E se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação e também é vã a vossa fé” (1 Coríntios 15:14).
Paulo não estava interessado em oferecer conselhos vagos sobre como ser uma pessoa melhor; ele queria que as pessoas entendessem que a ressurreição era o alicerce da esperança cristã.
E por quê? Porque ela muda tudo. A ressurreição destrói o poder definitivo da morte e nos lembra que há algo muito maior preparado para aqueles que confiam em Deus. Ela garante que os sofrimentos humanos não serão eternos; há redenção e vida aguardando além deste mundo quebrado.
Sem ressurreição, não há esperança genuína; com ela, até mesmo os piores dias podem ser enxergados sob uma nova luz.
Uma História Iniciada na Antiga Aliança
Antes de Jesus, antes da cruz e do túmulo vazio, havia outra celebração chamada Pessach. Ela comemorava o livramento dos israelitas da escravidão no Egito — aquele momento épico em que o Mar Vermelho se abriu e o povo passou rumo à liberdade. Mas talvez o símbolo mais marcante dessa libertação tenha sido o sangue do cordeiro pascal.
Naquela noite tensa em que Deus enviou a última praga sobre os egípcios — a morte dos primogênitos — os israelitas foram ordenados a sacrificar um cordeiro sem defeitos e pintar com seu sangue as portas de suas casas. Esse ato simples (e ao mesmo tempo profundamente simbólico) tornou-se um marco na história judaica: foi através desse sangue que Deus poupou seu povo.
Agora avance alguns séculos e veja como tudo isso aponta para Jesus Cristo. João Batista foi quem declarou pela primeira vez:
“Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (João 1:29).
O sacrifício final de Cristo tornou-se não apenas paralelo ao ritual antigo, mas seu cumprimento definitivo. A conexão entre esses dois eventos não é acidental; ela mostra como toda a narrativa bíblica se entrelaça em torno da ideia central de redenção divina.
Cristo como o Cordeiro Pascal
Mencionamos antes o cordeiro pascal no contexto da libertação do Egito. Não é coincidência que as Escrituras desenham uma conexão direta entre esse animal sem mácula e Jesus Cristo. Mas por que um cordeiro? Por que sangue? Essa simbologia, à primeira vista estranha aos olhos modernos, carrega verdades profundas.
Imagine-se por um momento entre os israelitas no Egito antigo. A noite da décima praga chega; há um silêncio tenso no ar. Você sacrifica o cordeiro conforme Deus instruiu e passa seu sangue nos batentes da porta. Essa imagem pode parecer brutal, mas transmitia uma verdade pulsante: a vida está no sangue – é ela que traz a salvação.
Séculos depois, Jesus estaria sentado com seus discípulos celebrando exatamente essa Páscoa judaica enquanto instituía algo novo. Ele partiu o pão e tomou o cálice declarando:
“Este é o meu corpo entregue por vós… Este é meu sangue derramado.”
O simbolismo atingia seu auge ali – Jesus seria aquele sacrifício perfeito, dado não apenas para livrar um povo específico de uma escravidão física, mas para libertar toda a humanidade da escravidão ao pecado e à morte.
Aqui está a maravilha incomparável da história cristã: Deus não apenas enviou alguém em Seu lugar; Ele mesmo desceu, encarnado em Jesus de Nazaré – O Santo imaculado que se tornou pecado por nós (2 Coríntios 5:21). Para os crentes, a cruz não é só madeira manchada de sangue; ela é redenção, substituição… perdão. E na ressurreição, encontra-se a garantia de que este sacrifício foi aceito plenamente.
Tradições Culturais e o Propósito da Páscoa
Hoje em dia, porém, parecemos navegar num território curioso quando falamos de Páscoa. Pergunte para uma criança o que ela espera nessa data e talvez você receba um sorriso ansioso seguido de gritos alegres: “Ovos de chocolate!”
Não há dúvidas de que as tradições populares trouxeram elementos divertidos – e até comerciais – para a Páscoa moderna. Mas será que elas nos ajudam ou nos afastam do convite central dessa celebração?
De forma alguma quero desmerecer essas práticas. Há algo lindo em reunir famílias ao redor de cores vibrantes em busca dos escondidos “tesouros” ovais; isso cria laços e memórias. Mas ocorre-me uma pergunta levemente desconfortável: será que temos nos contentado apenas com os ovos enquanto esquecemos completamente de quem saiu do túmulo vazio?
As tradições têm valor. Contudo, as Escrituras nos fazem um lembrete sutil: o foco nunca esteve no ritual pelo ritual. O apóstolo Paulo advertiu frequentemente sobre idolatrar formas externas enquanto negligenciamos verdades internas (Colossenses 2:16-17). Sendo assim, seja celebrando com ceia solene ou pintando ovos, que nossa alegria seja ancorada na Ressurreição – porque é isso que transforma diversão temporária em gratidão eterna.
Talvez você leia sobre ressurreição, sacrifício e vida eterna, mas se pergunte como essas ideias tocam a angústia que pesa ao abrir os olhos pela manhã ou as dores que o tempo não conseguiu apagar. É aqui onde reside a beleza ímpar da Páscoa cristã: ela não ignora nossos sofrimentos; ela os abraça.
A cruz mostra um Deus que conhece profundamente nossa dor. Ele sofreu fome, traição, injustiça… morte. Mas o túmulo vazio traz uma mensagem poderosa: o sofrimento não é o capítulo final. Sempre há uma manhã chegando.
O apóstolo Pedro descreveu isso como uma “esperança viva” (1 Pedro 1:3).
Não significa viver sem problemas; significa encarar os desafios sabendo que há algo maior à frente. Se Cristo venceu até mesmo a morte – esse inimigo inabalável –, o que mais poderia definitivamente derrotar aqueles que confiam Nele?
Então talvez a melhor forma de viver genuinamente a Páscoa não seja confiná-la à primavera ou ao calendário litúrgico (embora esses momentos tenham sua importância). Que tal vê-la como um chamado diário para uma vida transformada, cheia de perdão, compaixão e esperança inabalável? Não porque conseguimos ser perfeitos – mas porque seguimos Aquele que já foi perfeito por nós.