Quantas vezes você já ouviu ou falou essas palavras? Talvez nem consiga lembrar. Elas se escondem nos cantos mais comuns do nosso dia a dia – na pressa ao tentar acalmar uma criança em público, na tentativa de encerrar uma briga entre irmãos ou até mesmo num momento de pura frustração e cansaço. É uma frase tão simples, quase inofensiva à primeira vista. Mas será que ela realmente ajuda?
Dizer “Pare de chorar” pode parecer prático. Ninguém gosta de testemunhar lágrimas, ainda mais quando se trata de crianças – ver a dor delas nos desestabiliza, mexe com a gente. Às vezes parece que estamos tentando ajudá-las a deixar algo para trás de maneira apressada. Só que aqui está o problema: não estamos ajudando. Estamos silenciando seus sentimentos.
Imagine-se no lugar da criança. Você acabou de se machucar ou ficou extremamente triste porque algo não deu certo. É um sentimento bruto, real e dá vontade de chorar. Aí alguém que você confia – um adulto que deveria ser seu porto seguro – diz que você deve parar. Parece algo pequeno? Talvez não seja. Essa frase carrega uma mensagem oculta poderosa: “o que você sente não tem valor”. E mesmo que este não seja o objetivo (e provavelmente não é), acaba soando assim para o outro lado.
Mas isso não acontece apenas com crianças; todos nós já sentimos o incômodo de alguém rejeitar nossos sentimentos em algum momento da vida. Sabe aquela sensação de compartilhar algo difícil e ouvir um “é, acontece” desinteressado ou apressado? Multiplique isso pelo peso emocional que uma criança ainda em formação carrega e você talvez entenda o motivo pelo qual o “pare de chorar” pode ser tão prejudicial.

O impacto invisível do “Pare de chorar”
O grande problema dessa frase é que ela invalida um processo natural do ser humano: sentir e expressar emoções. O choro – mesmo que em certos momentos pareça inoportuno – ajuda a liberar o estresse acumulado, expressar desconfortos e até aliviar tensões que o corpo carrega. Para as crianças, muitas vezes ele é a única linguagem emocional à disposição.
Quando insistimos em silenciar essas lágrimas, não estamos apenas pedindo silêncio; estamos ensinando – sem querer – que certas emoções precisam ser escondidas. E sabe onde isso nos leva? A adultos que evitam expressar tristeza ou vulnerabilidade por medo de parecerem fracos. Claro, ninguém pensa nisso quando diz “pare de chorar”. Mas essa é justamente a questão: essas palavras automáticas constroem pontes invisíveis entre pequenos momentos da infância e padrões emocionais futuros.
E tudo isso nos leva inevitavelmente à pergunta: o que podemos fazer diferente?
Acolher as emoções: o primeiro passo
A primeira coisa é entender algo simples e talvez até óbvio: todas as emoções importam. Quando uma criança está chorando, ela está lidando com um turbilhão interno. Pode ser porque caiu no parque, brigou com um amigo ou até porque perdeu um brinquedo favorito – e embora esses problemas possam parecer pequenos do ponto de vista adulto, são imensos no mundo infantil.
Acolher essas emoções significa abrir espaço para elas, em vez de bloqueá-las. É como dizer: “Eu vejo você. O que você sente é válido.” Isso não significa incentivar birras ou fazer com que o choro dure para sempre; significa simplesmente mostrar empatia e paciência suficientes para validar aquela experiência antes de passar para qualquer outra solução.
Antes de agir, é indispensável saber escutar. E às vezes ouvir nem significa dizer nada mirabolante – um abraço, um olhar compreensivo ou apenas ficar ao lado enquanto a tristeza dá lugar à calma já pode fazer toda diferença.
Frases que acolhem
Existe poder em frases simples:
- “Está tudo bem chorar.”
- “Eu sei que você está se sentindo triste agora.”
- “Quer me contar o que aconteceu?”
Essas palavras não resolvem a situação imediatamente nem eliminam o conflito ou desconforto – mas colocam sua relação com a criança (ou até com outra pessoa) em terreno seguro: empatia antes de instrução.
Substitua ordens por perguntas
Imagine alguém dizendo “Pare de chorar” no meio de um momento delicado. Essa frase não deixa espaço algum para continuidade – ela encerra a conversa antes mesmo de começar. Agora compare isso a um simples “O que aconteceu?”. De forma incrível, essas palavras abrem portas. Elas incentivam a troca de ideias, o compartilhamento e, acima de tudo, o entendimento mútuo.
Uma pergunta como essa não resolve imediatamente o problema (nem deveria, na verdade), mas ajuda a criança a processar o que está sentindo. Ao fazer uma pergunta – em vez de dar uma ordem –, você desloca o foco do controle para a curiosidade. E isso faz toda a diferença.
O tom importa
Mas tem um detalhe aqui: a maneira como você pergunta importa tanto quanto as palavras em si. O tom e a postura contam muito. Dizer “O QUE FOI AGORA?” com impaciência ou descrença no olhar não vai surtir o efeito desejado. Pelo contrário. Uma pergunta genuína precisa vir embalada em paciência e gentileza. E sabe o que é interessante? Às vezes nem é preciso resolver tudo naquele momento; só ouvir já traz alívio para quem está chorando.
Seja curioso da forma mais pura. Essas perguntas não só revelam interesse, mas também mostram que é um lugar seguro para abrir o coração.
O tom de voz: o elo invisível da empatia
Aqui vai uma verdade inconveniente: muitas vezes, não é o conteúdo das nossas frases que machuca, mas o nosso tom. Quando estamos exaustos – já passei por isso muitas vezes! –, é comum dizer coisas até bem-intencionadas em um tom frio ou irritado sem querer. Mas o problema é que quem escuta sente a diferença.
Por isso, sempre vale um exercício de pausa interna antes de reagir ao choro de alguém, seja uma criança ou mesmo outro adulto: “Como eu gostaria que falassem comigo se estivesse vulnerável agora?” Geralmente, a resposta nunca é gritos ou pressa para encerrar os sentimentos. Falar com tranquilidade pode mudar completamente o jeito como as pessoas percebem e sentem uma conversa. Mesmo frases simples como “Estou aqui com você” ou “Vai ficar tudo bem” ganham enorme força quando ditas com suavidade e acolhimento. É quase como se elas carregassem calor humano.
Esse exercício do tom de voz também nos ajuda a “regar” nossa própria paciência. Quando desaceleramos nossa fala, inevitavelmente desaceleramos nossos pensamentos – restauração mútua num momento tenso.
Ensinar resiliência sem cortar emoções
É comum confundir empatia com permissividade: validar as emoções nem de longe significa deixar que chorar vire uma regra eterna ou única solução para tudo. Pelo contrário! Quando as lágrimas aparecem, elas são uma oportunidade perfeita para ensinar resiliência.
Pense assim: cada vez que você traduz para uma criança o que ela sente (“Eu vejo que você está decepcionado porque queria brincar mais e acabou”), você ajuda a nomear a emoção. E ao nomeá-la, você dá ferramentas para que ela comece a lidar melhor com aquilo no futuro.
O ciclo do acolhimento
Veja como isso se conecta ao desenvolvimento emocional:
- Validar: “Eu entendo sua tristeza.”
- Reforçar habilidades: “Sabia que você é forte para passar por isso?”
- Encaminhar soluções: “Se precisar de ajuda para resolver isso, estou aqui.”
É um ciclo contínuo: acolhendo primeiro, ensinamos depois.
Mudar hábitos automáticos
No calor do dia a dia, é fácil agir no piloto automático… Mas e se fizesse parte da rotina parar e pensar no impacto das palavras? Mudar não acontece do dia para noite – nem precisa. Pequenos passos já fazem grande diferença.
Que tal começar tentando substituir o reflexo do “Pare de chorar” por frases novas? Pode parecer estranho no início, quase artificial. Faz parte do processo até se tornar natural. Cada avanço conta.
Olhe para isso também como uma forma de promover autocuidado emocional. Quando você reserva sua energia para se conectar genuinamente com os outros (mesmo nos momentos difíceis), acaba também sendo mais gentil consigo mesmo no longo prazo.