Certas histórias têm a capacidade de atravessar o tempo e as culturas, permanecendo vivas porque carregam verdades profundas sobre o que significa ser humano e se transformar. A história de Margarida da Escócia e seu filho Davi I é exatamente assim. Trata-se de uma narrativa que junta fé e política, família e ambição, estratégias de poder e, o principal, vida cristã – tudo entrelaçado na construção de um legado que moldou não só pessoas, mas também uma nação inteira.
Margarida poderia ter sido apenas mais uma figura esquecida no turbilhão político da Europa medieval. Nascida por volta de 1045, em plena confusão do reinado anglo-saxão na Inglaterra e rodeada por guerras pelo domínio da Grã-Bretanha, ela cresceu em exílio – sua família fugiu para a Hungria após a invasão dinamarquesa. Essa infância marcada pela instabilidade pode ter plantado nela tanto um senso prático quanto uma fé inabalável. Afinal, quando se perde tudo, o que resta senão a força interior? Mais tarde, ao casar-se com Malcolm III da Escócia, sua vida tomou um rumo que ninguém poderia prever: ela não apenas se tornou rainha, mas também uma mulher que usaria seu papel para transformar os rumos do reino escocês.
Mas o impacto de Margarida não terminou com sua própria vida. Seu filho Davi I foi a prova viva de que suas ações ecoaram bem além de sua geração. Educado sob a forte influência materna – ela supervisionou não apenas sua formação religiosa, mas também sua compreensão do poder como ferramenta para servir –, Davi herdou dela muito mais do que um trono. Ele herdou ideias. Ideias sobre reforma social e religiosa que definiriam seu governo e trariam mudanças profundas à Escócia medieval.
E é aqui que surge a necessidade de olharmos para essa relação com mais profundidade. Precisamos entender como Margarida influenciou tantos aspectos da vida escocesa – de uma vida verdadeiramente cristã às alianças políticas –, assim como identificar os reflexos disso nas decisões do Rei Davi. Nesse processo, será inevitável confrontar perguntas desconfortáveis: até onde vai a linha entre santidade e vida com Cristo pessoal e estratégia política? E será que as reformas religiosas que marcaram esse período serviram mais à fé ou ao fortalecimento do poder real?

Rainha Margarida da Escócia
Se você já ouviu falar dela, talvez associe automaticamente Margarida à imagem arquetípica da rainha piedosa: alguém que tinha uma vida de oração, comprometida com boas obras e completamente alheia às realidades políticas de seu tempo. Essas associações não estão totalmente erradas – mas são insuficientes.
Margarida era tudo isso: piedosa até os ossos, dedicada a práticas religiosas rigorosas e conhecida por sua generosidade com os pobres. Mas ela também era uma estrategista perspicaz. Durante seu reinado como rainha consorte (de 1070 até sua morte em 1093), ela desempenhou um papel ativo na tentativa de alinhar a Igreja escocesa aos padrões europeus ocidentais. Isso pode parecer um detalhe menor para o leitor moderno, mas representava uma mudança gigantesca para a época. A Igreja escocesa tinha raízes celtas fortes; era descentralizada e vivia em certa tensão com Roma. Margarida percebeu que uma igreja alinhada à autoridade papal poderia ser mais do que um instrumento espiritual – poderia ser uma ferramenta política poderosa para unificar o reino.
O papel de Margarida como mãe
Antes de avançarmos nessa discussão sobre política, vale a pena olhar para Margarida como mãe. Sua forma de criar os filhos mostrava o quanto acreditava que as pessoas, guiadas pela fé em Cristo, tinham capacidade de transformar o mundo.
Uma educação moldada pela fé
Davi I foi uma das figuras mais marcantes do século XII escocês, mas suas ideias começaram a ser formadas muito antes de ele empunhar uma coroa ou planejar reformas administrativas inovadoras. Margarida sabia que educar um rei era educar um construtor de reinos – e isso significava combinar instrução religiosa sólida com lições sobre liderança prática.
Ao oferecer a Davi esse tipo de formação integral (e aqui devemos imaginar longas conversas entre mãe e filho sobre virtudes cristãs e responsabilidades reais), Margarida plantou as sementes para o tipo de liderança reformista que ele exerceria anos depois. Ele cresceu vendo na mãe um exemplo vivo de que fé e poder não eram incompatíveis; na verdade, podiam se reforçar mutuamente.
Entre fé e poder: o governo visionário de Davi I
Davi I não foi apenas “um rei reformista”. Essa expressão, tão comum nos livros escolares sobre a Escócia medieval, tende a limitar a dimensão de sua importância histórica. Para entender sua trajetória, precisamos voltar aos momentos-chave que moldaram seu espírito reformador – muitos dos quais estão profundamente enraizados na experiência com sua mãe: Margarida.
A educação imersa em valores cristãos dados por Margarida não era um mero detalhe doméstico; era a base sobre a qual Davi construiu toda sua visão de liderança. Ele cresceu vendo como sua mãe usava o ideal religioso para justificar ações que iam muito além do campo espiritual – desde obras de caridade até mediações políticas entre clérigos e nobres com interesses conflitantes. Em certo sentido, Margarida ensinou a Davi que a fé não era uma fraqueza ingênua, mas sim uma ferramenta poderosa para nos aproximar de Deus, unir pessoas e conduzir processos de mudança.
Quando assumiu o trono da Escócia em 1124, Davi começou uma série de reformas que ecoavam diretamente os princípios dessa educação. Ele promoveu a criação de mosteiros – entre eles Jedburgh e Melrose –, trazendo monges cistercienses para fortalecer o espírito religioso no país. Essas fundações funcionavam, claro, como espaços dedicados ao fortalecimento de uma vida espiritual com Deus, mas também como centros de poder econômico e político. Mosteiros guardavam terras produtivas e estabeleciam redes sociais densas entre comunidades locais e autoridades reais.
Davi também reorganizou amplamente o sistema jurídico e administrativo da Escócia, centralizando o poder real e incentivando novos laços com a Inglaterra normanda – alianças que sua mãe já vislumbrava como essenciais décadas antes. Trata-se de mais um exemplo da capacidade dele de interpretar as lições maternas à luz das necessidades do momento.
Fé ou estratégia política?
Mas será que essas reformas foram motivadas exclusivamente por sua fé ou foi uma forma de consolidar seu domínio? Um olhar mais crítico revela que os dois aspectos andavam lado a lado. Por exemplo, ao alinhar a Igreja escocesa com Roma – algo profundamente enraizado nas iniciativas da mãe –, Davi garantiu não apenas um avanço religioso, mas também muito mais controle sobre quem exercia influência dentro do reino. Líderes religiosos locais menos alinhados à autoridade papal também eram sinônimos de menor controle para um rei ambicioso.
O que essa história nos ensina hoje?
Embora vivamos em tempos marcadamente diferentes, algo persiste nessa história: o impacto duradouro das relações humanas nas grandes transformações históricas. A ligação entre Margarida e Davi era profundamente enraizada tanto no amor maternal quanto em ideais compartilhados. Essa troca entre gerações moldou não só indivíduos excepcionais como também toda uma nação.
É possível enxergar ecos dessa dinâmica em nosso tempo. Toda grande transformação começa internamente – seja dentro de um lar ou dentro de nossas próprias convicções. As lições de Margarida e Davi I continuam a inspirar porque mostram que os gestos mais marcantes nascem de convicções enraizadas, mesmo quando entrelaçados com os desafios e nuances da vida cotidiana.
Curiosidades
Margarida da Escócia e o Rei Davi I (século XI) – Margarida, princesa de origem anglo-húngara, casou-se com o rei Malcolm III da Escócia e tornou-se uma rainha muito piedosa e benéfica. Mãe de oito filhos, ela assumiu pessoalmente a educação e a formação religiosa de suas seis princesas e príncipes. Com paciência e firmeza, Margarida ensinou os filhos a ler e escrever, instruiu-os na fé cristã e nos valores morais, e “supervisionava cuidadosamente a instrução religiosa de suas crianças”.
Seu exemplo de caridade e devoção também influenciou o marido e a corte escocesa – Margarida era conhecida por sua rotina de orações noturnas e cuidado dos pobres, instaurando reformas espirituais no país. Entre seus filhos estava Davi, o caçula, que sucedeu os irmãos e tornou-se rei. Educado sob os cuidados maternos, o rei Davi I (r. 1124–1153) governou com justiça e de forma piedosa. Davi, cujo reinado justo refletiu a formação recebida em casa, junto com sua mãe demonstram os efeitos sobre um filho de uma mãe temente a Deus, que exerceu um papel importante na formação de um governante sábio e piedoso.